- Qualé da grana então, cabeça? Vamo trabalha, vamo trabalhá o pagamento, quanto vai ser?
Viu brotarem as rugas na face velha da mulher a sua frente. De trato grosso, mulher rude, feia e mal-educada; porca, com um rabo horroroso que, conquanto gordo, não servia nem para toucinho na feijoada, de tanta graxa, quanto mais para dar uma trepada.
- Tua vida.
A mulher, burra como um cavalo no deserto, submetia aquela frase a análise do seu tão pouco usado cérebro, dilacerado pela coca que havia cheirado alguns minutos antes no puteiro imundo em que se encontravam ambos os personagens. O caso é que, no tempo em que escrevi esse último parágrafo... não, calma. Digo ainda mais: a pobre mulher, vítima de incesto, órfã de mãe no parto, criada na miséria e na violência, filhos largados em hospitais, orfanatos, até mesmo um caso curioso em que entregou seu filho para um casal bondoso por um pouco de coca.
Agora sim, posso afirmar que, no tempo em que ela foi apresentada a você, tomou, a puta velha, uma paulada bem dada na cabeça, e mais não foi visto. Os policiais estavam de folga. A sociedade continuava de folga, vendo a novela.
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Agora, eram as 5 horas da tarde do dia seguinte, e Miguel adentrava no quarto da mulher no momento exato em que esta abria seus olhos.
Enquanto a mesma perguntava agitada "Onde estou?!?", Miguel já abria a janela - nesse momento, a mulher que havia se levantado num salto da cama tomou como que um susto, diria até um cagaço que é mais fiel à situação - e o cagaço ela tomava do sol maravilhoso que entrava pela janela, marcando a sombra de folhas na parede por trás de Miguel e da puta velha.
A mulher parou no mesmo supetão em que levantara. Creio que tenha sido pelo sol grande, mais a árvore frondosa e o vento refrescante que entrava pela janela, mas isso só Deus diria com certeza. Eu creio que fosse porque tudo isso ativava todos os sentidos da mulher praticamente de uma só vez e de forma tão intensa que ela jamais esqueceria.
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- Onde estou?
Agora, a pergunta era refeita sem as exclamações. Mais calma, a puta velha estava lá, sentadinha no mais comendo um pão e tomando um café - em sua frente, estava Miguel, jovem, daquela barba aparada mas insistente, e nisso residia grande parte da sua atração aos outros seres, todos os outros seres gostavam de Miguel, todos os vivos.
- Está no campo.
Verdadeiramente, era o campo. Mais que isso, obviamente era o campo. E a mulher era o diabo no campo.
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No segundo e no terceiro dia, a puta velha aprendeu a cozinhar e a costurar, lavou roupas, limpou a casa, comeu bem, bebeu bem, conversou com Miguel banalidades, e tinha aquela vida.
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Caminhavam pelo campo. Isso já era o quarto dia. A puta velha estava com umas roupinhas singelas, florzinhas bordadas, e segurava ramos de marcela às mãos os quais havia colhido junto de Miguel.
Naquele momento, respirou fundo. Pássaros amarelos cantaram. A puta velha sorriu. Seus dentes eram horrorosos, suas rugas marcantes. Seu corpo era um butijão grande.
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No quinto dia, a puta velha estava caminhando pela casa e se deparou com fotografias antigas - percebeu serem da família que morava ali naquela casa em que se encontrava. Passou a tarde olhando velhas fotografias. Miguel não estava nelas. Levantou-se do sofá em que passsara a tarde - ao chegar a sala, encontrou um homem bem feio sentado. Ele sorriu para ela, e seus dentes eram horrorosos. Convidou-a a sentar e beber algo. Ela sentou. Miguel não estava em casa.
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O homem dormiu na casa. Ao amanhecer do sexto dia, estava chovendo. Os dois fizeram amor pela manhã. Dormiram, acordaram, fizeram um farto almoço, comeram o bastante. A chuva parou, o sol reapareceu lindo, lindo. Os dois feios se deitaram à sombra daquela frondosa árvore, e passaram ali o crepúsculo. Miguel não apareceu o dia todo, novamente. O crepúsculo desceu, as almas saíam de suas tocas e tocavam àqueles dois, que juntos, eram felizes e nada de ruim sentiam.
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No sétimo dia, houve o descanso.
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Camila, a puta velha, acordou. Na maca de um pronto-socorro superlotado. Recebeu no pronto-socorro a informação de que havia tomado uma porrada por trás na cabeça; na rua, recebeu de uma amiga a informação de que outra amiga havia sido assassinada por traficantes na noite anterior; recebeu no puteiro a informação de que haviam roubado dela a cocaína de seu bolso naquela noite da porrada; recebeu de todos a informação de que não havia "Um menino com quem eu estava conversando, um rapaz de uns 25 anos".
Voltou para seu apê pequeno e sujo. Pela primeira vez, perdeu a vontade de cheirar. Viu na televisão pequena um homem feio. Bem feio, como ela.
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Virou diarista. Trabalhou com muito empenho, conquistou clientes. Ansiava por algo que não sabia exatamente o que era. Mudou de residência, para uma melhor. Era reconhecida pelas madames como honesta e trabalhadora. Sua diária aumentou um bocadinho, cerca de 20 pilas. Tirava perto de 1500 reais por mês.
Um dia, estava no mercado e esbarrou com um homem bem feio e velho.
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Camila, numa casinha pequena, trabalhava e tinha um homem feio. Que fazia alguma coisa boa com o coraçãozinho da Camila, a puta velha.
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Camila querida morreu algum dia, então conheceu Miguel.
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Caminhava com Miguel. E, junto do coração, levava uma fotografia velha, daquele homem bem feio e velho que havia conhecido...
domingo, 3 de abril de 2011
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Como que tu me esconde esse blog?
ResponderExcluirBaita texto!