quinta-feira, 27 de maio de 2010

Ananias e Lucas

"Olá, Ananias."

De que jeito cumprimentá-lo sem mais que o normal? Se sentia algo diferente, algum carinho enorme, melhor demonstrá-lo nalgum outro dia. Agora, Lucas vinha caminhando no seu passo desconjuntado, feio. O céu era cinza e belo, pois cinza, e demonstrava que conhecia o espírito de Lucas melhor que qualquer coisa - o céu era o espelho do espírito de Lucas.

Ananias virou-se calmamente com um meio sorriso espetacular. Sua característica formidável era aquele sorriso jamais desfeito por qualquer fisicalidade do tempo, qualquer maldade que o tempo quisesse fazer com Ananias, o fez de outra forma, mas não em estragar aquele sorriso encantador.

"Olá, meu garoto... outra vez por aqui?"

Era uma nova nona vez no último mês, só pra não dizer que era a vigésima sétima, ou a décima oitava, que são números tão parcos. E Lucas, percebendo a perspicácia de Ananias, respondeu-lhe com simplicidade que sim, era outra vez por ali, e sentou-se ao lado de Ananias com a mão ao encontro do desfecho do aperto, do consolo de uma mão muito mais experiente que a dele.

"Que se passa, meu jovem? Que queres comigo?

Era Lucas, agora, explicando toda sua falta de conhecimento. Era Lucas, dizendo que tudo estava errado; era Lucas, dizendo que queria coisas que não conseguia obter; era Lucas com várias reclamações de toda ordem, e eram as nuvens formando novos moldes incríveis no céu incrível. Era Lucas com tudo o que somos as 18, 19 anos. Era Lucas como somos todos nós.

Ananias, calmamente, sábio, não expôs aquele seu sorriso tranquilo, porque quaisquer tranquilidades jamais passam desapercebidas ao redor de um jovem na idade de Lucas - incomodam como se fossem moscas, incomodam porque Saramago crê que "não há piores palavras que 'tende paciência', antes o insulto"; incomodam porque tudo incomoda um jovem de 18 anos e é motivo de questionamento.

Ananias, sábio, ouviu Lucas até onde quis falar Lucas, e isso significou, provavelmente, alguma coisa como o tempo necessário para mudar o mundo, se Ananias realmente quisesse. E, depois de ouvir, foi Ananias.

Ananias virou o rosto para a inflexão de Lucas, e tomou-o dentro de sua alma.

Caminhou com ele por vários metros, quilômetros até. Lucas, ao seu lado, seguiu-o como uma doninha adestrada - opa, quis dizer como um cãozinho adestrado... de qualquer jeito, dá no mesmo. E Ananias resolveu explicar para Lucas algumas coisas, básicas.

Ananias disse a Lucas que jamais Lucas veria o céu daquele jeito novamente. Que aproveitasse aquele momento.

Ananias disse a Lucas que ele jamais ouviria os sons que estava ouvindo naquele momento novamente. Que aproveitasse.

Ananias disse a Lucas que ele jamais sentiria novamente as mesmas fragrâncias daquele momento. Que as aproveitasse.

Ananias sentou com Lucas no topo de alguma coisa qualquer. Podia ser um morro, um prédio, uma árvore, o que importa é que era um topo.

E, dali, Lucas percebeu que desfeita fazia com a vida.

Olhou o sol se por, pela primeira vez, com os olhos da sua alma. E, naquilo, era sincero como jamais havia sido.

Tudo bem que Ananias talvez não mudasse a vida de Lucas.

Mas o que importava?